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10.10.12

A difícil arte da discussão


Há tempos tenho percebido que os conceitos de discussão e briga têm sido considerados sinônimos. Presenciei e li várias situações assim no twitter e em blogs que leio. Passei por diversas situações assim em reuniões de amigos. Fui mesmo obrigada a ouvir coisas do tipo "parem de brigar" e "aqui a gente gosta de falar besteira, só pra se divertir". 
Eu fico me perguntando quando foi que essa assimilação tão errônea de dois conceitos tão diferentes foi feita. É bem verdade que usamos a palavra discussão para relatar fatos que se relacionam mais com o conceito de briga do que com o de discussão. Quem já não proferiu ou ouviu algo como "aí virou uma puta discussão" para descrever uma situação em que as pessoas passaram a se agredir verbalmente? É realmente muito comum, coloquial. 
No entanto, o verdadeiro significado de discussão é "Investigação da verdade pelo exame de razões e provas que se oferecem pró e contra. Questão, polêmica, controvérsia, debate." O significado é tão claro que é mesmo de se estranhar como é que discussão foi virar, coloquialmente, sinônimo para briga. 
Discutir é debater um tema, uma ideia. É o momento em que os interlocutores expõem seus pensamentos, seus argumentos e buscam chegar ao mais cientificamente comprovável. É neste momento que os ânimos se inflamam ao defender seus pontos e para os ouvintes pode parecer uma briga. No entanto, é exatamente o contrário disso. 
Numa briga não há interlocutores, há rivais. Numa briga não há ideias, há pessoas. Numa briga não há argumentos, há agressões. Numa briga não há comprovação científica, há verdades impostas pelo agressor. 
Essencialmente o que difere um discussão de uma briga é o objeto de ataque. Numa discussão o ataque é às ideias do outro, numa briga o ataque é ao outro. 
Esta diferenciação é tão ou mais importante do que a primeira apresentada. Ideias e pessoas também não são sinônimos. Por mais que o pensamento seja um veículo pelo qual nos definimos e nos mostramos ao mundo, uma pessoa é algo muito mais complexo que uma ideia e, diferentemente dessa, não possui comprovações que determinem sua veracidade ou superioridade. Uma ideia pode ser verificada, quantificada, embasada historicamente, filosoficamente. Uma pessoa é o conjunto das ideias, dos sentimentos, das experiências, das escolhas, das alegrias e das tristezas que viveu. Uma pessoa tem ideias, as defende, muda, aprende, mas não se resume a elas. 
Desta forma, atacar uma ideia é apresentar argumentos e provas de que ela está errada. Atacar uma pessoa é agredi-la.
E porque é a discussão tão apreciada por uns e tão temida por outros? Não posso responder porque é temida, tenho hipóteses, mas não há argumentos que as justifiquem. São hipóteses advindas da minha observação e baseadas em todo meu conhecimento adquirido. Mas são só hipóteses. Prefiro, por enquanto, guardá-las. Prefiro formulá-las e só apresentá-las quando houver estudos e argumentos suficientes para lançá-las. O que posso responder com facilidade é porque uma discussão é tão apreciada, e posso simplesmente porque me incluo no grupo que aprecia uma boa discussão. 
Discutir é uma forma de transmitir, produzir e ampliar o conhecimento. Eu exponho minhas hipóteses, meus argumentos e recebo as hipóteses e argumentos do outro. Num primeiro momento o debate nos levará a procurar cada detalhe que pode quebrar a argumentação do outro e, assim, deixar claro que minhas hipóteses têm mais comprovação do que as do outro. Sim, de que eu estou certa. Mas em muitos casos e, como é comum quem gosta de discutir se arriscar a discutir até o que não sabe, o resultado não é tão simplório. Em geral não há ganhadores e perdedores, há reflexão. E a reflexão é o exercício que nos leva definir quem somos. 
Quero voltar em um ponto polêmico desta questão: quem está certo. Percebi que há um medo pairando nas falas de muitas pessoas. Um medo de que realmente exista o certo e o errado. Eu posso entender este medo, é através das determinações de certo e errado que os padrões de comportamento são moldados, nos são impostos e servem de base para intolerâncias. No entanto, há pontos em que sim, existe o certo e o errado.
Se pensarmos nas ciências exatas, dificilmente alguém dirá: não existe o certo e o errado. O resultado de uma soma é concreto, existe o número certo a que se deve chegar. Não chegou ao resultado, está errado. A questão complica quando pensamos nas ciências humanas. As ciências humanas oferecem várias linhas de análise, de pensamento, de problematização que nos levarão a uma conclusão. No entanto, há sim, o certo e o errado.
Pensemos na Educação. Existem diferentes linhas e métodos educacionais. Todos comprovam sua eficácia, seus resultados. Existe um método certo? Sim. Existe. Depende apenas do resultado que se quer obter. 
Se pensarmos o Direito, a análise pode ficar mais concreta. Através da legislação, normatizamos a sociedade, considerando o que aceitamos e o que não queremos que aconteça. Desta forma, decidimos que nenhuma pessoa tem o direito de tirar a vida de outra pessoa. Então tirar a vida tornou-se errado, não tirar tornou-se certo. Mas mesmo assim existem "errados" que são inocentados. A capacidade de argumentação dos defensores e acusadores é determinante nisso. Portanto aquele que mais conhecer da matéria e encontrar meios para atingir seu fim, estará certo. Pode não estar certo perante o desejo da sociedade ao determinar que assassinato é crime. Mas está certo quanto a aplicabilidade da lei naquele caso. 
Tudo isto é uma questão de ciência. A ciência possui comprovação. O senso comum não. Por isso, muitas vezes, o embate entre quem sabe argumentar e quem só sabe dar a sua opinião pode parecer uma briga. Porque aquele que sabe terá razão sobre a opinião do outro. Cada um pensa o que quiser? Sim. Mas isso não significa que se está certo. Sempre há alguém que sabe mais do que nós.

6 comentários:

  1. Vamos discutir mais profundamente esse assunto!!!

    ...

    Hahaha, quase impossível! Parabéns pelo texto!!

    Acho que discutir é algo muito importante para a ética atéia! Mas já tem trocentos vlogers que tocaram no assunto... sei que definir meu conceito de certo e errado vai definir também como será a minha auto-avaliação no momento de refletir sobre a minha vida!

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  2. Exato! Se não houver nenhum tipo de parâmetro, como se fará escolhas?

    Ah, obrigada! (carinha de vergonha)

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  3. Anônimo9:20 AM

    Parabéns pelo texto e reflexões apresentadas.Discutir é bom e realmente pode ser muito enriquecedor, se não for somente para medir forças; A minha "birra" só é em relação a cobrança com quem muda de opinião, como se fossemos obrigados a ser eternamente os mesmos...

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    1. Ah isso é mesmo ridículo. É quando a coerência vira teimosia.

      Obrigada!

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  4. Este texto pra mim foi esclarecedor. Obrigada por compartilhar o conhecimento.

    Beijo grande!

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