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31.10.12

Inteligência e depressão de mãos dadas



Outro dia li no Twitter uma frase que doeu o coração “Quanto maior a sua inteligência, maior a sua depressão”. Não me lembro quem disse ou se era parte de alguma matéria, texto, notícia, estudo, sei lá o quê. Desculpe-me o autor por não poder dar os créditos, ao menos não me aproprio dela. Acontece que ela ficou martelando aqui dentro. 
Há outras versões mais antigas para esta ideia, como “quem me dera eu ser burro, assim eu não sofria tanto” que o Raul Seixas cantou, ou a velha “a ignorância é uma benção”. Em suma todas dizem a mesma coisa: saber dói. 
Dói enxergar as coisas como são e ter uma ideia de como deveriam ser. Dói falar sobre isso e dificilmente encontrar interlocutor. Dói a velha sensação de mãos atadas. Dói a solidão que isso nos leva.
Talvez seja por isso que tanta gente desiste. Simplesmente desiste, liga o automático, bebe a cerveja no fim de semana e fica tudo tranquilo. Talvez também seja por isso que pessoas muito inteligentes e os gênios sejam em geral tão excêntricos, muitas vezes beirando a loucura.
Mas devo reconhecer que nos últimos anos isso mudou um pouco. Ser nerd virou moda e inteligência virou fetiche. Não sou nerd, não tenho amigos nerds e pra mim eles parecem só mais uma casta dizendo “agora é a nossa vez, ralem para ganhar a carteirinha do clube”. Ao menos ficou provado que inteligência comanda as mudanças do mundo. 
Isso causa um paradoxo: é através do saber, do conhecimento, que mudamos o mundo, o que em si representa uma coisa boa. Mas é este mesmo saber que nos deprime. E nos deprime exatamente no reconhecimento daquilo que não podemos mudar.  
É por isso que saber dói. Se simplesmente não soubesse que o mundo seria mais justo se não existissem mulheres sendo estupradas e sendo encaradas como culpadas pela violência que sofreram, talvez simplesmente as considerasse culpadas também e não sentisse a dor que é lidar com um pensamento arraigado na sociedade de tal forma que as pessoas nem reconhecem a sua existência. Pensamos assim, mas dizemos que não: “não culpo a mulher, mas também o que ela estava fazendo naquela rua escura em plena madrugada!?” e coisas do tipo. Isso é acreditar que não está culpando a vítima, mas continuar achando que SE ela se comportasse diferente, não teria acontecido. Esse SE coloca o ato da mulher como condição para ser ou não estuprada. Se o seu ato é a condição, então é porque considero, lá no fundo, sem assumir até para mim mesmo, que ela mereceu (ou procurou). 
Aliás a luta de mulheres é um grande exemplo da dor e da solidão que o saber pode trazer. Em geral as pessoas rotulam como coisa de feminista e vem com toda carga negativa que persegue o termo. Mas nunca admitem o simples fato que se foram criadas numa sociedade machista, com valores que diferenciam os gêneros, reproduzem diariamente esses valores e pensamentos sem perceber, como naturais e até como valores familiares. Só se desvincula disso através da necessária reflexão se isto é realmente justo para todos. 
Eu posso usar o meu exemplo como prova: antes de estudar o feminismo, considerava-o o contrário do machismo, como a maior parte da população. Mas aos poucos fui tendo contato com a produção científica que existe acerca da questão de gênero e percebi que tal consideração era um preconceito. Eu formulei uma definição sem NUNCA ter lido nada do assunto. E porque fiz isso? Porque é comum, nós fazemos isso mesmo, temos opinião sobre quase tudo, sabendo ou não do assunto. Dificilmente alguém assume que não pode dar opinião porque não sabe nada daquilo. Essa opinião sem embasamento vem do que os outros nos ensinaram: alguém que disse em casa, ou na rua, ou na TV. E simplesmente nos apropriamos deste discurso sem nenhum tipo de comprovação científica ou reflexão. Apenas saímos reproduzindo o que dizem por aí. 
Entretanto, independentemente de eu pronunciar tal absurdo, existe uma produção científica que comprova que eu estava errada. Poderia nunca aceitar, mas eu passaria a vida estando errada sobre o assunto. E isso é muito importante porque em geral as pessoas não aceitam que vivem numa sociedade machista, mas desconhecem os estudos que comprovam cientificamente que o pensamento ocidental acerca dos gêneros é caracterizado pela diferenciação entre homens e mulheres de forma a privilegiar os primeiros em diversos setores da vida em sociedade. 
Saber tudo isso dói. Eu sei o que está errado. Luto para que ocorram mudanças. Sou tachada de radical, mal amada, sapatão, frígida, intransigente e mais um sem número de coisas que nem lembro, só porque sei de algo que a sociedade não sabe, não quer saber ou aceitar. E no fim do dia ainda tenho que reconhecer que nem tudo eu conseguirei mudar. 
Mesmo assim, mesmo doendo, eu prefiro saber. Porque deixar de saber tudo o que eu sei, me tornaria só mais uma no meio do pensamento coletivo, sem identidade, sem propriedade, sem verdade. Apenas a boa e velha ilusão de que o mundo é bom e são os outros que complicam... 

10.10.12

A difícil arte da discussão


Há tempos tenho percebido que os conceitos de discussão e briga têm sido considerados sinônimos. Presenciei e li várias situações assim no twitter e em blogs que leio. Passei por diversas situações assim em reuniões de amigos. Fui mesmo obrigada a ouvir coisas do tipo "parem de brigar" e "aqui a gente gosta de falar besteira, só pra se divertir". 
Eu fico me perguntando quando foi que essa assimilação tão errônea de dois conceitos tão diferentes foi feita. É bem verdade que usamos a palavra discussão para relatar fatos que se relacionam mais com o conceito de briga do que com o de discussão. Quem já não proferiu ou ouviu algo como "aí virou uma puta discussão" para descrever uma situação em que as pessoas passaram a se agredir verbalmente? É realmente muito comum, coloquial. 
No entanto, o verdadeiro significado de discussão é "Investigação da verdade pelo exame de razões e provas que se oferecem pró e contra. Questão, polêmica, controvérsia, debate." O significado é tão claro que é mesmo de se estranhar como é que discussão foi virar, coloquialmente, sinônimo para briga. 
Discutir é debater um tema, uma ideia. É o momento em que os interlocutores expõem seus pensamentos, seus argumentos e buscam chegar ao mais cientificamente comprovável. É neste momento que os ânimos se inflamam ao defender seus pontos e para os ouvintes pode parecer uma briga. No entanto, é exatamente o contrário disso. 
Numa briga não há interlocutores, há rivais. Numa briga não há ideias, há pessoas. Numa briga não há argumentos, há agressões. Numa briga não há comprovação científica, há verdades impostas pelo agressor. 
Essencialmente o que difere um discussão de uma briga é o objeto de ataque. Numa discussão o ataque é às ideias do outro, numa briga o ataque é ao outro. 
Esta diferenciação é tão ou mais importante do que a primeira apresentada. Ideias e pessoas também não são sinônimos. Por mais que o pensamento seja um veículo pelo qual nos definimos e nos mostramos ao mundo, uma pessoa é algo muito mais complexo que uma ideia e, diferentemente dessa, não possui comprovações que determinem sua veracidade ou superioridade. Uma ideia pode ser verificada, quantificada, embasada historicamente, filosoficamente. Uma pessoa é o conjunto das ideias, dos sentimentos, das experiências, das escolhas, das alegrias e das tristezas que viveu. Uma pessoa tem ideias, as defende, muda, aprende, mas não se resume a elas. 
Desta forma, atacar uma ideia é apresentar argumentos e provas de que ela está errada. Atacar uma pessoa é agredi-la.
E porque é a discussão tão apreciada por uns e tão temida por outros? Não posso responder porque é temida, tenho hipóteses, mas não há argumentos que as justifiquem. São hipóteses advindas da minha observação e baseadas em todo meu conhecimento adquirido. Mas são só hipóteses. Prefiro, por enquanto, guardá-las. Prefiro formulá-las e só apresentá-las quando houver estudos e argumentos suficientes para lançá-las. O que posso responder com facilidade é porque uma discussão é tão apreciada, e posso simplesmente porque me incluo no grupo que aprecia uma boa discussão. 
Discutir é uma forma de transmitir, produzir e ampliar o conhecimento. Eu exponho minhas hipóteses, meus argumentos e recebo as hipóteses e argumentos do outro. Num primeiro momento o debate nos levará a procurar cada detalhe que pode quebrar a argumentação do outro e, assim, deixar claro que minhas hipóteses têm mais comprovação do que as do outro. Sim, de que eu estou certa. Mas em muitos casos e, como é comum quem gosta de discutir se arriscar a discutir até o que não sabe, o resultado não é tão simplório. Em geral não há ganhadores e perdedores, há reflexão. E a reflexão é o exercício que nos leva definir quem somos. 
Quero voltar em um ponto polêmico desta questão: quem está certo. Percebi que há um medo pairando nas falas de muitas pessoas. Um medo de que realmente exista o certo e o errado. Eu posso entender este medo, é através das determinações de certo e errado que os padrões de comportamento são moldados, nos são impostos e servem de base para intolerâncias. No entanto, há pontos em que sim, existe o certo e o errado.
Se pensarmos nas ciências exatas, dificilmente alguém dirá: não existe o certo e o errado. O resultado de uma soma é concreto, existe o número certo a que se deve chegar. Não chegou ao resultado, está errado. A questão complica quando pensamos nas ciências humanas. As ciências humanas oferecem várias linhas de análise, de pensamento, de problematização que nos levarão a uma conclusão. No entanto, há sim, o certo e o errado.
Pensemos na Educação. Existem diferentes linhas e métodos educacionais. Todos comprovam sua eficácia, seus resultados. Existe um método certo? Sim. Existe. Depende apenas do resultado que se quer obter. 
Se pensarmos o Direito, a análise pode ficar mais concreta. Através da legislação, normatizamos a sociedade, considerando o que aceitamos e o que não queremos que aconteça. Desta forma, decidimos que nenhuma pessoa tem o direito de tirar a vida de outra pessoa. Então tirar a vida tornou-se errado, não tirar tornou-se certo. Mas mesmo assim existem "errados" que são inocentados. A capacidade de argumentação dos defensores e acusadores é determinante nisso. Portanto aquele que mais conhecer da matéria e encontrar meios para atingir seu fim, estará certo. Pode não estar certo perante o desejo da sociedade ao determinar que assassinato é crime. Mas está certo quanto a aplicabilidade da lei naquele caso. 
Tudo isto é uma questão de ciência. A ciência possui comprovação. O senso comum não. Por isso, muitas vezes, o embate entre quem sabe argumentar e quem só sabe dar a sua opinião pode parecer uma briga. Porque aquele que sabe terá razão sobre a opinião do outro. Cada um pensa o que quiser? Sim. Mas isso não significa que se está certo. Sempre há alguém que sabe mais do que nós.