Eu amo gatinhos. Amo sua independência. Amo seu jeito manhoso e sedutor. Amo a mania que têm de olhar soberbos do alto do telhado para os cachorros enfurecidos nos quintais. Amo suas poses engraçadas. Amo o jeito que sentam. De tanto amar, venho tentando criar uma gatinha desde que fui morar sozinha.
Minha primeira gatinha foi a Chérrie. Uma vagabundinha branca com manchas rajadas cinza, de rabo cortado na metade. Fizeram essa maldade com ela na rua, até que foi resgatada por uma conhecida que me presenteou. A Chérrie era doce. Quando eu saía de casa, levava a gata pendurada no meu ombro. Ela ficava ali quietinha, ronronando. Dormia nas minhas costas, uma bolinha bem no meio. Tinha a mania de brincar de esconde-esconde com minhas pernas, que ela acreditava serem desconectadas do meu corpo, provavelmente um animal perigoso que deveria ser atacado, sempre. Se escondia atrás das portas, ou na passagem dos ambientes e ficava esperando essas coisas cumpridas passarem. Eu sempre gritava, ela grudava nas minhas pernas e as arranhava inteiras. Vivia com cicatrizes. Um dia voltei de viagem e a Chérrie não apareceu. Minha empregada contou que a achou na porta de casa: cachorro.
Não lembro quanto tempo depois, a Lica entrou na minha vida. Estava voltando da balada a pé e ela me seguiu. Era tão pequena que cabia na minha mão. Uma siamesa-vagabunda linda com os olhos azuis iguais ao da minha vó. Quando cheguei na porta ela sentou e ficou esperando eu abrir. Foi a gata que mais me deu trabalho. Era baladeira mesmo. Com 6 meses foi passear na boca da Bandinha, a rottweiler dos vizinhos. Ficou 3 dias internada, quase morremos, eu e ela. Depois de um mês engravidou, antes que eu pudesse sonhar em castrá-la. Mesmo com o barrigão enorme, não parava em casa e, faltando dias para os bebês nascerem, ela bateu a barriga no muro. Hemorragia, perdeu todos os filhotes, saiu castrada. Aí descobriu a caça. Toda noite um camundongo minúsculo virava seu petisco. E eu que morro de medo e nojo de rato, já estava pensando em acreditar em deus e começar a rezar para ela perder o hábito. Foi aí que mudamos de cidade. Ela passou a roubar comida na casa da vizinha da frente. Chegava em casa com um filé de frango na boca, ou uma fatia de presunto. Mudamos novamente e ela achou um ninho de ratos, enormes. Eu acordava e achava os presentes na porta do meu quarto, mortos. O mais absurdo foi o dia que cheguei a noite e ela tinha encurralado 3, TRÊS, destas feras atrás do som. Fui obrigada a vencer meu pavor de ratos. Eu consegui gritar, chorar, tremer e matar o rato ao mesmo tempo. Cena de filme, eu parecia aquelas malucas que começam a esfaquear alguém no meio de uma crise nervosa e ao invés de parar vão aumentando a força e a velocidade. Foi assim que descobri que seria incompetente como assassina. A Lica ainda foi capaz de se encanar. Achei a gata presa no ralo. Ela entrou pelo encanamento do quintal que saía na rua, provavelmente atrás de ratos, e não conseguiu sair. Ficou miando até que eu a achei pelo ralo. Fui obrigada a virar pedreira e quebrar o chão, já que a grelha estava chumbada. Um dia ela pediu pra sair de madrugada, eu nunca deixava, mas ela mordeu tanto o meu pé, que deixei. Demorei um mês para saber: veneno.
Desisti de criar gatinhas. Mas eu estava em Florianópolis e minha irmã me liga: a vizinha que te deu, porque a sua morreu, ela é linda, igualzinha a Lica. E eu escutava ela chorando e miando do outro lado. Quando eu vi aquela coisinha miúda dormindo fiquei apaixonada. A Nany era calma, educada, uma lady. Quase não saía, ficava perto o tempo todo. Foi abandonada antes do tempo e por isso tentava mamar na nossa mão. Eu detestava isso, mas morria de dó. Era muito carinhosa, ficava metade da noite comigo e metade com minha irmã. Nessa época, minha irmã também tinha uma cachorra que adotou a gata como filhote, por isso elas tinham crises de identidade. Se alguém estranho chegava no portão, a cachorra latia e a gata rosnava. Quando a Nany andava no muro, a Lua, uma vira-lata enorme, a seguia, até mesmo no telhado. Engravidou, nasceram 5 filhotinhos lindos, ficamos com aquela que ninguém quis, a Liv. Parecia pequenina e feinha, mas cresceu e ficou maior que a mãe. Tão linda que a roubaram da gente. Então a Nany engravidou novamente, em pouquíssimo tempo, cheguei a dar a injeção, mas ela já estava grávida. Dessa vez ela teve problemas no parto, foi preciso uma cesariana com castração inclusa. Mas ela rejeitou os bebês. A Lua tentou cuidar deles, mas mesmo assim não resistiram. A gata engordou e quase não saía. Um dia chego em casa com febre e ela não veio me receber. A achei deitada no tapete, sangrando: cachorro. Ela não tinha medo deles, achava que eram todos iguais a Lua. Foi uma correria de veterinários, banhos, remédios, mas não adiantou. Quinze dias depois, sem comer e sem beber, ela desapareceu.
Depois dessa coleção de alegrias e tristezas, desisti. Não queria mais saber de gatinhos, de pelos, de gastos. Ficou só o desejo escondido de ter uma gata preta de olhos amarelos. Pesquisei tudo sobre a raça Bombaim. Ficava namorando as fotos na internet. Até que uma exatamente assim me escolheu. A Kim apareceu com sua mãe e 3 irmãozinhos no jardim de uma amiga. Ela também é apaixonada e ficou cuidando de todos, sem coragem de mandá-los embora. A mãe da Kim é enorme, linda, sem um único pelo branco. Mas por ser de rua, é absurdamente brava. Era impossível chegar perto dela. Os gatinhos também eram desconfiados e ficavam bravos com qualquer um. Mas a Kim dormiu no meu colo e eu não consegui mais soltá-la. Passados uns meses, uma colega do trabalho me oferece uma gatinha que ela achou abandonada numa rotatória com a mãe e mais dois irmãos. Resisti a princípio, mas já estava aceitando quando ela me trouxe as fotos e vi o Lee nelas. Quis tanto um gatinho preto, que atraí dois.
Depois de começar a criá-los descobri que existem muitos gatinhos pretos abandonados nas ongs e que não conseguem donos porque no Brasil existe a ridícula superstição de que dão azar. Descobri até que em sexta-feiras 13 eles são maltratados, mutilados e mortos. Fiquei horrorizada e feliz por ter salvado dois deles desse destino. Meus gatos são amorosos, super apegados a mim (o que é uma característica da raça) e super educados. Espero que essa superstição seja ainda vencida pelo respeito. Por sorte eu moro numa rua de apaixonados por gatos e cachorros. Os bebês saem para passear e são cuidados por todos os vizinhos. Todos brincam, protegem, me contam onde estão e o que estão fazendo. Foi assim, que na última sexta-feira, eu fui recebida pelos vizinhos com todo o cuidado do mundo. Acharam um dos meus bebês na calçada: carro. Chorei pelo Lee, porque a descrição parecia com ele. Mas ao cruzar o portão ele pulou no meu colo e eu gritei de alegria. Alegria que acabou quando ele deitou no meu ombro e eu entendi, não foi ele, foi a Kim. Uma tristeza enorme. Ficamos juntos chorando na cama, eu e ele. O Lee dormiu agarrado na minha mão e se eu tentava tirar ele puxava mais forte, até mordia e miava alto, coisa que ele nunca faz. Por dois dias ele sequer pediu pra sair. Por dois dias eu chamei a Kim no quintal, com esperança de que não fosse ela.
Eu amo gatos pela liberdade. Eles não sabem viver presos, entristecem ou enlouquecem. Sabem demonstrar afeto quando necessário, mas não te sufocam por isso. Cuidam e deixam ser cuidados. Adoram carinho e o oferecem. Mas nada de exagero, nada que aprisione. Eu amo gatos porque me enxergo neles. Os riscos são grandes de ser assim. Há cachorros, venenos e carros no mundo. Mas há vizinhos queridos e companheiros apaixonados. Há a noite, os telhados e as árvores. Há um mundo inteiro lá fora e a certeza do cuidado e do aconchego aqui dentro. Não há porque não se arriscar. Vou cuidar do Lee até ele ter uns 200 anos, depois, vou ter outro gato.
Não lembro quanto tempo depois, a Lica entrou na minha vida. Estava voltando da balada a pé e ela me seguiu. Era tão pequena que cabia na minha mão. Uma siamesa-vagabunda linda com os olhos azuis iguais ao da minha vó. Quando cheguei na porta ela sentou e ficou esperando eu abrir. Foi a gata que mais me deu trabalho. Era baladeira mesmo. Com 6 meses foi passear na boca da Bandinha, a rottweiler dos vizinhos. Ficou 3 dias internada, quase morremos, eu e ela. Depois de um mês engravidou, antes que eu pudesse sonhar em castrá-la. Mesmo com o barrigão enorme, não parava em casa e, faltando dias para os bebês nascerem, ela bateu a barriga no muro. Hemorragia, perdeu todos os filhotes, saiu castrada. Aí descobriu a caça. Toda noite um camundongo minúsculo virava seu petisco. E eu que morro de medo e nojo de rato, já estava pensando em acreditar em deus e começar a rezar para ela perder o hábito. Foi aí que mudamos de cidade. Ela passou a roubar comida na casa da vizinha da frente. Chegava em casa com um filé de frango na boca, ou uma fatia de presunto. Mudamos novamente e ela achou um ninho de ratos, enormes. Eu acordava e achava os presentes na porta do meu quarto, mortos. O mais absurdo foi o dia que cheguei a noite e ela tinha encurralado 3, TRÊS, destas feras atrás do som. Fui obrigada a vencer meu pavor de ratos. Eu consegui gritar, chorar, tremer e matar o rato ao mesmo tempo. Cena de filme, eu parecia aquelas malucas que começam a esfaquear alguém no meio de uma crise nervosa e ao invés de parar vão aumentando a força e a velocidade. Foi assim que descobri que seria incompetente como assassina. A Lica ainda foi capaz de se encanar. Achei a gata presa no ralo. Ela entrou pelo encanamento do quintal que saía na rua, provavelmente atrás de ratos, e não conseguiu sair. Ficou miando até que eu a achei pelo ralo. Fui obrigada a virar pedreira e quebrar o chão, já que a grelha estava chumbada. Um dia ela pediu pra sair de madrugada, eu nunca deixava, mas ela mordeu tanto o meu pé, que deixei. Demorei um mês para saber: veneno.
Desisti de criar gatinhas. Mas eu estava em Florianópolis e minha irmã me liga: a vizinha que te deu, porque a sua morreu, ela é linda, igualzinha a Lica. E eu escutava ela chorando e miando do outro lado. Quando eu vi aquela coisinha miúda dormindo fiquei apaixonada. A Nany era calma, educada, uma lady. Quase não saía, ficava perto o tempo todo. Foi abandonada antes do tempo e por isso tentava mamar na nossa mão. Eu detestava isso, mas morria de dó. Era muito carinhosa, ficava metade da noite comigo e metade com minha irmã. Nessa época, minha irmã também tinha uma cachorra que adotou a gata como filhote, por isso elas tinham crises de identidade. Se alguém estranho chegava no portão, a cachorra latia e a gata rosnava. Quando a Nany andava no muro, a Lua, uma vira-lata enorme, a seguia, até mesmo no telhado. Engravidou, nasceram 5 filhotinhos lindos, ficamos com aquela que ninguém quis, a Liv. Parecia pequenina e feinha, mas cresceu e ficou maior que a mãe. Tão linda que a roubaram da gente. Então a Nany engravidou novamente, em pouquíssimo tempo, cheguei a dar a injeção, mas ela já estava grávida. Dessa vez ela teve problemas no parto, foi preciso uma cesariana com castração inclusa. Mas ela rejeitou os bebês. A Lua tentou cuidar deles, mas mesmo assim não resistiram. A gata engordou e quase não saía. Um dia chego em casa com febre e ela não veio me receber. A achei deitada no tapete, sangrando: cachorro. Ela não tinha medo deles, achava que eram todos iguais a Lua. Foi uma correria de veterinários, banhos, remédios, mas não adiantou. Quinze dias depois, sem comer e sem beber, ela desapareceu.
Depois dessa coleção de alegrias e tristezas, desisti. Não queria mais saber de gatinhos, de pelos, de gastos. Ficou só o desejo escondido de ter uma gata preta de olhos amarelos. Pesquisei tudo sobre a raça Bombaim. Ficava namorando as fotos na internet. Até que uma exatamente assim me escolheu. A Kim apareceu com sua mãe e 3 irmãozinhos no jardim de uma amiga. Ela também é apaixonada e ficou cuidando de todos, sem coragem de mandá-los embora. A mãe da Kim é enorme, linda, sem um único pelo branco. Mas por ser de rua, é absurdamente brava. Era impossível chegar perto dela. Os gatinhos também eram desconfiados e ficavam bravos com qualquer um. Mas a Kim dormiu no meu colo e eu não consegui mais soltá-la. Passados uns meses, uma colega do trabalho me oferece uma gatinha que ela achou abandonada numa rotatória com a mãe e mais dois irmãos. Resisti a princípio, mas já estava aceitando quando ela me trouxe as fotos e vi o Lee nelas. Quis tanto um gatinho preto, que atraí dois.
Depois de começar a criá-los descobri que existem muitos gatinhos pretos abandonados nas ongs e que não conseguem donos porque no Brasil existe a ridícula superstição de que dão azar. Descobri até que em sexta-feiras 13 eles são maltratados, mutilados e mortos. Fiquei horrorizada e feliz por ter salvado dois deles desse destino. Meus gatos são amorosos, super apegados a mim (o que é uma característica da raça) e super educados. Espero que essa superstição seja ainda vencida pelo respeito. Por sorte eu moro numa rua de apaixonados por gatos e cachorros. Os bebês saem para passear e são cuidados por todos os vizinhos. Todos brincam, protegem, me contam onde estão e o que estão fazendo. Foi assim, que na última sexta-feira, eu fui recebida pelos vizinhos com todo o cuidado do mundo. Acharam um dos meus bebês na calçada: carro. Chorei pelo Lee, porque a descrição parecia com ele. Mas ao cruzar o portão ele pulou no meu colo e eu gritei de alegria. Alegria que acabou quando ele deitou no meu ombro e eu entendi, não foi ele, foi a Kim. Uma tristeza enorme. Ficamos juntos chorando na cama, eu e ele. O Lee dormiu agarrado na minha mão e se eu tentava tirar ele puxava mais forte, até mordia e miava alto, coisa que ele nunca faz. Por dois dias ele sequer pediu pra sair. Por dois dias eu chamei a Kim no quintal, com esperança de que não fosse ela.
Eu amo gatos pela liberdade. Eles não sabem viver presos, entristecem ou enlouquecem. Sabem demonstrar afeto quando necessário, mas não te sufocam por isso. Cuidam e deixam ser cuidados. Adoram carinho e o oferecem. Mas nada de exagero, nada que aprisione. Eu amo gatos porque me enxergo neles. Os riscos são grandes de ser assim. Há cachorros, venenos e carros no mundo. Mas há vizinhos queridos e companheiros apaixonados. Há a noite, os telhados e as árvores. Há um mundo inteiro lá fora e a certeza do cuidado e do aconchego aqui dentro. Não há porque não se arriscar. Vou cuidar do Lee até ele ter uns 200 anos, depois, vou ter outro gato.
A primeira foto é a Nany, a segunda é a Kim em seu momento pantera e a terceira é o Lee, o gato mais fofo do mundo! Todas tiradas pela fotógrafa Miy Salvatore, também conhecida como minha sobrinha!
ResponderExcluirLindo :~~~)
ResponderExcluirLi cada palavra.. e de verdade, to com água nos olhos... =~~
ResponderExcluirSinceramente, é mto raro eu me emocionar com textos.. mas até me deu um aperto no coração ao ir vendo o desfecho de cada um.. =~
Por outro lado, vc ganhou um ponto enorme comigo, Mica, porque são poucas as pessoas que realmente se dedicam aos seus animais! ..ainda mais em casos qdo o bichinho fica doente ou acontece algum acidente.. Rapai, vc fez de tudo e lutou por todos até o fim.. E eu não sei, mas eu tenho pra mim que, ao fazer bem aos animais, a Senhora Vida recompensa positivamente mais tarde.. Afinal, o que mandamos de bom pro universo, volta.. e creio que o seu esforço será considerado..
Agora, estou torcendo por vc e pelo gatíssimo Lee.. para que ele cuide de vc com tanto amor e carinho tal como vc dá esse amor pra ele.. Que vcs se cuidem.
Beijo grande!
Obrigada Marquito!
ResponderExcluirAh Kellynha muito obrigada! :)
Azar é nao ter um gato preto.
ResponderExcluirSao lindos, meigos, inteligentes, sedutores. misteriosos e enigmaticos, amei o artigo, Mimi
Concordo Mimi! Gatos pretos são demais, estão quase adotando mais uma :)
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