Outro dia li no Twitter uma frase que doeu o coração “Quanto maior a sua inteligência, maior a sua depressão”. Não me lembro quem disse ou se era parte de alguma matéria, texto, notícia, estudo, sei lá o quê. Desculpe-me o autor por não poder dar os créditos, ao menos não me aproprio dela. Acontece que ela ficou martelando aqui dentro.
Há outras versões mais antigas para esta ideia, como “quem me dera eu ser burro, assim eu não sofria tanto” que o Raul Seixas cantou, ou a velha “a ignorância é uma benção”. Em suma todas dizem a mesma coisa: saber dói.
Dói enxergar as coisas como são e ter uma ideia de como deveriam ser. Dói falar sobre isso e dificilmente encontrar interlocutor. Dói a velha sensação de mãos atadas. Dói a solidão que isso nos leva.
Talvez seja por isso que tanta gente desiste. Simplesmente desiste, liga o automático, bebe a cerveja no fim de semana e fica tudo tranquilo. Talvez também seja por isso que pessoas muito inteligentes e os gênios sejam em geral tão excêntricos, muitas vezes beirando a loucura.
Mas devo reconhecer que nos últimos anos isso mudou um pouco. Ser nerd virou moda e inteligência virou fetiche. Não sou nerd, não tenho amigos nerds e pra mim eles parecem só mais uma casta dizendo “agora é a nossa vez, ralem para ganhar a carteirinha do clube”. Ao menos ficou provado que inteligência comanda as mudanças do mundo.
Isso causa um paradoxo: é através do saber, do conhecimento, que mudamos o mundo, o que em si representa uma coisa boa. Mas é este mesmo saber que nos deprime. E nos deprime exatamente no reconhecimento daquilo que não podemos mudar.
É por isso que saber dói. Se simplesmente não soubesse que o mundo seria mais justo se não existissem mulheres sendo estupradas e sendo encaradas como culpadas pela violência que sofreram, talvez simplesmente as considerasse culpadas também e não sentisse a dor que é lidar com um pensamento arraigado na sociedade de tal forma que as pessoas nem reconhecem a sua existência. Pensamos assim, mas dizemos que não: “não culpo a mulher, mas também o que ela estava fazendo naquela rua escura em plena madrugada!?” e coisas do tipo. Isso é acreditar que não está culpando a vítima, mas continuar achando que SE ela se comportasse diferente, não teria acontecido. Esse SE coloca o ato da mulher como condição para ser ou não estuprada. Se o seu ato é a condição, então é porque considero, lá no fundo, sem assumir até para mim mesmo, que ela mereceu (ou procurou).
Aliás a luta de mulheres é um grande exemplo da dor e da solidão que o saber pode trazer. Em geral as pessoas rotulam como coisa de feminista e vem com toda carga negativa que persegue o termo. Mas nunca admitem o simples fato que se foram criadas numa sociedade machista, com valores que diferenciam os gêneros, reproduzem diariamente esses valores e pensamentos sem perceber, como naturais e até como valores familiares. Só se desvincula disso através da necessária reflexão se isto é realmente justo para todos.
Eu posso usar o meu exemplo como prova: antes de estudar o feminismo, considerava-o o contrário do machismo, como a maior parte da população. Mas aos poucos fui tendo contato com a produção científica que existe acerca da questão de gênero e percebi que tal consideração era um preconceito. Eu formulei uma definição sem NUNCA ter lido nada do assunto. E porque fiz isso? Porque é comum, nós fazemos isso mesmo, temos opinião sobre quase tudo, sabendo ou não do assunto. Dificilmente alguém assume que não pode dar opinião porque não sabe nada daquilo. Essa opinião sem embasamento vem do que os outros nos ensinaram: alguém que disse em casa, ou na rua, ou na TV. E simplesmente nos apropriamos deste discurso sem nenhum tipo de comprovação científica ou reflexão. Apenas saímos reproduzindo o que dizem por aí.
Entretanto, independentemente de eu pronunciar tal absurdo, existe uma produção científica que comprova que eu estava errada. Poderia nunca aceitar, mas eu passaria a vida estando errada sobre o assunto. E isso é muito importante porque em geral as pessoas não aceitam que vivem numa sociedade machista, mas desconhecem os estudos que comprovam cientificamente que o pensamento ocidental acerca dos gêneros é caracterizado pela diferenciação entre homens e mulheres de forma a privilegiar os primeiros em diversos setores da vida em sociedade.
Saber tudo isso dói. Eu sei o que está errado. Luto para que ocorram mudanças. Sou tachada de radical, mal amada, sapatão, frígida, intransigente e mais um sem número de coisas que nem lembro, só porque sei de algo que a sociedade não sabe, não quer saber ou aceitar. E no fim do dia ainda tenho que reconhecer que nem tudo eu conseguirei mudar.
Mesmo assim, mesmo doendo, eu prefiro saber. Porque deixar de saber tudo o que eu sei, me tornaria só mais uma no meio do pensamento coletivo, sem identidade, sem propriedade, sem verdade. Apenas a boa e velha ilusão de que o mundo é bom e são os outros que complicam...
Eu aplico na minha vida uma palestra que escutei do Frei Beto, sobre voluntariado, que era mais ou menos assim: "O voluntário pode passar por três fases:
ResponderExcluir- Empolgação - vou ajudar o mundo e fazer a diferença, as pessoas merecem ser ajudadas;
- Depressão - eu me mato pra ajudar e as verbas são desviadas, as pessoas que eu queria ajudar me enganam para levar vantagem, no fim eu acabo fazendo pouca diferença frente ao problema;
- Maturidade (poucos chegam aqui) - apesar dos problemas, eu faço alguma diferença, vou tentar minimizar o impacto das coisas ruins criando ferramentas adequadas e vou continuar me esforçando, dentro da minha capacidade, para fazer um mundo mais justo."
Basicamente isso serve pra muitas coisas, desde relação interpessoal até o desenvolvimento de uma visão do mundo.
Aqui sou conhecido por ser pentelho, por cobrar as coisas e querer fazer tudo certo. É meu jeito, é assim que eu acredito que vou conseguir ser feliz... feliz comigo mesmo por sempre buscar o melhor que posso, para mim e para os outros. Sou eu que me julgo e ninguém mais e o meu julgamento final farei antes de morrer e espero estar muito satisfeito com o que fiz.
Pelo menos até hoje continuo me julgando muito bem!
Inteligência e informação (pois inteligência sem informação nos faz descobrir a roda, de novo) são muito importantes, mas não é o que traz a sabedoria! Eu não seria feliz sem um pouco de inteligência e informação, mas a sabedoria é o que nos faz viver bem! Ainda tenho muito o que trilhar... mas acredito que estou em um caminho bom. Acho que isso é que me faz feliz, mesmo depois de ver desastres naturais, saber que pais torturam filhos, saber que a natureza não é boazinha, saber que as pessoas que idealizamos não são como achamos que eram....
A indignação faz parte da inteligência... a sabedoria nos impulsiona mesmo indignados, a ir adiante! Acredito que estás em um caminho bom...
Um beijãozão
"inteligência sem informação nos faz descobrir a roda, de novo" hahahahhaha amei! Já entrou pra minha listinha de mantras
ResponderExcluirEu tb curti a ideia das 3 fases. Fazendo uma análise suuuper pessoal, diria que minha segunda fase nunca foi muito na linha revoltada, mais na linha depressiva mesmo - aquela sensação de forças esgotadas e vontade de abandonar o barco. A terceira, posso dizer que já alcancei com o feminismo, digo que pratico o feminismo do cotidiano.
Muitooo obrigada! Beijinhos
Só para dizer que, Kelly Camilo curtiu este texto.
ResponderExcluirBeeeeijos!
Obrigada! ;)
ExcluirMinha cara, gostei do seu texto, mas confesso que me decepcionei um pouco com o conteúdo. Isso porque eu estava procurando algo que falasse sobre inteligência e depressão quando, de fato, não é esse o assunto do seu texto. Na verdade, acho que você foi encadeando idéias sem realmente relacioná-las. Se você me permite a crítica, em primeiro lugar, o título deveria ser outro. Algo como "É ignorância realmente uma bênção?"
ResponderExcluirOutra coisa: a questão da sociedade colocar a culpa na mulher por ser atacada numa rua deserta de noite não é o melhor dos exemplos do que vc quis dizer. A mesma coisa se fala de um homem que é assaltado ou assassinado por estar andando na rua de madrugada em um lugar escuro. Um exemplo melhor ao que vc se refere poderia ser a mulher que usa roupas provocantes e é estuprada. Essa sim é uma visão social deturpada que exemplifica bem o machismo arraigado.
Mas ainda assim, o que isso tem a ver com depressão e inteligência? Há três assuntos completamente distintos no seu texto: depressão e inteligência, machismo social e a questão filosófica do saber/não saber e a felicidade. Sinceramente, fiquei curiosa e interessada em saber o que vc pensa sobre esses assuntos, mas talvez um de cada vez.
"Mesmo assim, mesmo doendo, eu prefiro saber. Porque deixar de saber tudo o que eu sei, me tornaria só mais uma no meio do pensamento coletivo, sem identidade, sem propriedade, sem verdade. Apenas a boa e velha ilusão de que o mundo é bom e são os outros que complicam..."
Mas se vc não soubesse o que vc sabe, vc não saberia que é apenas mais uma, vc acharia que a identidade que vc tem é a sua identidade, vc acharia que o que vc sabe é a verdade e viveria dentro das suas limitações sem saber que são limitações. O ignorantes são mais felizes justamente porque não têm como julgar se são ignorantes, se são só mais um na multidão ou não. Vive-se com o que se tem e se sabe. Cada nova informação que recebemos pode nos trazer prazer, mas também podem ser fonte de angústia. A questão é, é melhor saber e poder amar ou sofrer ou é melhor não saber e não sentir os extremos de emoções? Eu já pensei como vc, que é melhor saber e ter todo o leque de emoções a meu favor. Mas, hoje em dia, penso diferente. O ignorante também acha que tem um leque de emoções a seu dispor e se contenta bem com isso pois ele NÃO SABE que tem mais lá fora. Mas informação é responsabilidade e, uma vez que se sabe, não tem volta.
Olá Luciana! Obrigada pelo comentário e pela crítica, aceito de braços abertos. Primeiro porque a crítica nos leva a discutir o texto e isso é o que busco com blog. Segundo porque me levará a escrever melhor, um objetivo de vida.
ResponderExcluirO Flavius, que fez o primeiro comentário, fez uma crítica semelhante a sua em uma conversa que tivemos sobre o texto logo que o publiquei. Essencialmente no fato em que o texto se perdeu ao abordar em excesso a questão feminina. Era pra ser só um exemplo e virou quase uma defesa panfletária. Naquela época pensei em reformar o texto, mas não quis perder os comentários e acabei deixando.
Concordo com os dois. Deveria ter sido mais didática e sintética no exemplo e retomar o assunto principal.
Quanto a escolha do exemplo, escolhi a situação feminina por querer pessoalizar o exemplo em relação ao fato de ser feminista e a solidão que enfrento com isso. Entretanto, da análise que fez do exemplo. Eu usei o caso de violência sexual contra a mulher. Fugi da roupa curta e caí em outra frase senso comum que as vítimas escutam até em delegacia. Há mais algumas que poderia ter usado, como "isso não é lugar pra mulher". Qualquer uma delas culpa a vítima. Se um cara for sexualmente atacado a visão muda. Mas não irei me alongar nisso novamente. Acho que o exemplo deveria ter parado muito antes da frase que abriu as portas para esta discussão.
Entendo a sua decepção ao dizer que não era isso o que procurava. Ao que parece, procurava algo mais relacionado a doença. Eu realmente, desde a introdução estou falando de inteligência no sentido de saber e depressão no sentido de tristeza e considero que nesse ponto o texto é claro.
Quanto a análise que faz do último parágrafo, concordo com você. Foi exatamente isso que eu quis dizer.