Ela apareceu. Eu estranho muito toda vez que ela esbarra na minha vida, tenho a felicidade de poder dizer que isso acontece raramente. Por outro lado eu não me acostumo, nunca é simples pra mim.
Fui ao velório para apoiar uma amiga que perdeu o pai. Eu já perdi o meu, não tem como não lembrar em momentos assim. Chorei como se fosse da família, é sempre assim. Fico bem até ver o choro, é como se sentisse em meu peito a dor dos outros.
Ela me disse "Mica eu não podia perder meu pai agora" e eu pensei "não, não podia", mas não disse nada, só chorei. Não consigo usar as frases típicas dessas horas: "Calma" "Você tem que ser forte" "Agora você tem que cuidar da sua mãe" etc, etc, etc. Penso o contrário: chora mesmo, se descabela, desaba, pode deixar que eu te seguro, não precisa pensar em nada, deixa só a tristeza sair, ela tem que sair.
Também penso o contrário dessa nossa cultura horrível de velar e enterrar, de cuidar do túmulo, de cemitério e caixão. A morte aos cristãos é um castigo, castigo pra quem fica e deve enfrentar a ideia de que Deus levou alguém embora, como se não mais merecêssemos viver ao lado daquela pessoa. Os eternos culpados pela morte, pela crucificação.
Invejo as culturas que cremam os corpos para que o espírito possa se livrar do corpo. Invejo as culturas que acreditam que os mortos são antepassados que protegem e guiam os que ficam. Invejo as culturas que promovem festas para comemorar uma nova fase para o morto, o início de outra vida. Vejo nessas culturas um final muito mais digno, enfim uma sonhada ascensão espiritual de liberdade, sabedoria e continuidade. Como se a morte não existisse.
Quando eu morrer quero uma salva de palmas. Não me lembro de receber uma salva de palmas na vida, ao menos não ainda. Quero uma festa e lembranças boas. Sem velório e sem gastos inúteis. E tenho certeza que não sou a única, ao menos nas muitas conversas que enfrentei hoje, a maioria das pessoas dizia o mesmo: velório é ruim demais, enterro é ruim demais, nossa cultura é ruim demais.
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