Grito de torcida, grito no trânsito, grito na rua como cantada, grito de carnaval. Enquanto é comemoração até tem sentido, mas quando toma o lugar do diálogo é que me preocupa.
Tenho acompanhado as discussões em torno da maioridade penal e, mais do que nunca, me ficou claro: aqui, quem grita tem razão. Ou pensa que tem, mas consegue mais adeptos.
Vejo, de um lado, estudiosos de várias áreas – cientistas políticos, sociólogos, psicólogos, especialistas em segurança pública, especialistas em direito, estudantes e pesquisadores – com ótimos artigos e textos contra a redução da maioridade, elencando vários argumentos plausíveis, com bases em pesquisas, estudos, dados, experiência de outros países, etc. Vejo que muitos se esforçam em produzir o conteúdo de forma que até uma criança de cinco anos consiga entender. Outros ainda citam frases soltas que viraram verdadeiros slogans pela redução e as desconstroem, provando sua falta de fundamentação.
E, de outro temos o grito. Uma galera que ouve uma única frase, acha legal, talvez até rime, e sai gritando-a por aí sem a menor reflexão, sem estudo, quase como ovelha reproduzindo o discurso, sem racionalidade.
Haverá mudança na legislação pela força do grito? Muito dificilmente porque seria inconstitucional e para mudar a constituição o negócio é bem mais complicado. Particularmente, por conhecer o texto da nossa carta magna e por conhecer sua história, posso dizer que se tem algo que não precisa mudar neste país é a Constituição.
Entretanto, mesmo não tendo grandes chances de vigorar, a gritaria está fazendo seu estrago e atraindo os mais desavisados... ou incultos. Reparem nas redes sociais: os compartilhamentos de quem é contra (textos, artigos, argumentos) e os compartilhamentos de quem é a favor (frases curtas, agressivas, muitas vezes de cunho pejorativo, endereçadas a quem é contra). É quase uma briga de torcida. De um lado, se propõe discussão. Do outro, se ataca quem não concorda com você.
Isto me fez lembrar de várias questões polêmicas e das posições que as pessoas assumem frente a estas questões – aborto, casamento gay, mensalão, etc. O padrão é sempre o mesmo – um lado é capaz de conversar, discutir, argumentar. O outro lado grita. Em geral é de se imaginar que o lado mais bem fundamentado venceria a discussão. Mas não é o que acontece no Brasil. Muito provavelmente por ser a nossa educação formal ridícula, quem é ouvido é quem fala mais alto e de preferência com frases curtas e de impacto. Não importa se existem estudos e comprovação de que vai dar merda. Importa é que é só isso que a maioria da nossa população consegue entender, então sai repetindo.
Às vezes acho que os estudiosos deviam usar do mesmo “marketing voltado para o mal”. Bolar umas frases de efeito e sair disseminando-as por aí, com certa raiva na voz, batendo na mesa e chamando pra briga. Mas o conteúdo é incompatível com essa atitude homem das cavernas e não sei se daria certo.
O que sei, com toda certeza, é que com essa atitude lamentável estamos construindo um país no grito. Um país raso, incapaz de produzir conhecimento que garanta justiça e equidade, que continuará não representando a maioria, que continuará deixando que uns imponham suas opiniões através da força e da violência, que continuará ensinando aos menores que se você quer algo, tem que fazer acontecer. Aí o menor vai lá e mata pelo tênis.