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28.4.13

O Brasil é um país que se faz no grito



Grito de torcida, grito no trânsito, grito na rua como cantada, grito de carnaval. Enquanto é comemoração até tem sentido, mas quando toma o lugar do diálogo é que me preocupa. 
Tenho acompanhado as discussões em torno da maioridade penal e, mais do que nunca, me ficou claro: aqui, quem grita tem razão. Ou pensa que tem, mas consegue mais adeptos. 
Vejo, de um lado, estudiosos de várias áreas – cientistas políticos, sociólogos, psicólogos, especialistas em segurança pública, especialistas em direito, estudantes e pesquisadores – com ótimos artigos e textos contra a redução da maioridade, elencando vários argumentos plausíveis, com bases em pesquisas, estudos, dados, experiência de outros países, etc. Vejo que muitos se esforçam em produzir o conteúdo de forma que até uma criança de cinco anos consiga entender. Outros ainda citam frases soltas que viraram verdadeiros slogans pela redução e as desconstroem, provando sua falta de fundamentação. 
E, de outro temos o grito. Uma galera que ouve uma única frase, acha legal, talvez até rime, e sai gritando-a por aí sem a menor reflexão, sem estudo, quase como ovelha reproduzindo o discurso, sem racionalidade. 
Haverá mudança na legislação pela força do grito? Muito dificilmente porque seria inconstitucional e para mudar a constituição o negócio é bem mais complicado. Particularmente, por conhecer o texto da nossa carta magna e por conhecer sua história, posso dizer que se tem algo que não precisa mudar neste país é a Constituição. 
Entretanto, mesmo não tendo grandes chances de vigorar, a gritaria está fazendo seu estrago e atraindo os mais desavisados... ou incultos. Reparem nas redes sociais: os compartilhamentos de quem é contra (textos, artigos, argumentos) e os compartilhamentos de quem é a favor (frases curtas, agressivas, muitas vezes de cunho pejorativo, endereçadas a quem é contra). É quase uma briga de torcida. De um lado, se propõe discussão. Do outro, se ataca quem não concorda com você. 
Isto me fez lembrar de várias questões polêmicas e das posições que as pessoas assumem frente a estas questões – aborto, casamento gay, mensalão, etc. O padrão é sempre o mesmo – um lado é capaz de conversar, discutir, argumentar. O outro lado grita. Em geral é de se imaginar que o lado mais bem fundamentado venceria a discussão. Mas não é o que acontece no Brasil. Muito provavelmente por ser a nossa educação formal ridícula, quem é ouvido é quem fala mais alto e de preferência com frases curtas e de impacto. Não importa se existem estudos e comprovação de que vai dar merda. Importa é que é só isso que a maioria da nossa população consegue entender, então sai repetindo. 
Às vezes acho que os estudiosos deviam usar do mesmo “marketing voltado para o mal”. Bolar umas frases de efeito e sair disseminando-as por aí, com certa raiva na voz, batendo na mesa e chamando pra briga. Mas o conteúdo é incompatível com essa atitude homem das cavernas e não sei se daria certo. 
O que sei, com toda certeza, é que com essa atitude lamentável estamos construindo um país no grito. Um país raso, incapaz de produzir conhecimento que garanta justiça e equidade, que continuará não representando a maioria, que continuará deixando que uns imponham suas opiniões através da força e da violência, que continuará ensinando aos menores que se você quer algo, tem que fazer acontecer. Aí o menor vai lá e mata pelo tênis.

7.4.13

Você pode assumir o que pensa, não precisa dizer que foi a Clarice Lispector

Dias atrás me deparei com postagens no Facebook de frases atribuídas ao escritor (e ídolo) José Saramago. Na hora meu estômago embrulhou. Ver frases de autoajuda com ideias totalmente senso comum e um português muito mal escrito com o nome de um prêmio nobel de literatura, defensor ferrenho da língua portuguesa, foi chocante.

Frase atribuída que me irritou. 

Na hora já tuitei que era desrespeitoso e que antes de sair postando e compartilhando as pessoas deviam pesquisar a veracidade da autoria. Um amigo então acabou com minha alegria "o pior é que se for pesquisar, encontrará 'jurisprudência' no Google". É possível. É possível que se jogarmos a frase lá encontraremos o Saramago como autor, pelo simples fato que tanta gente já postou e reproduziu a ofensa, que ela está disseminada na rede. 
No entanto, se você pesquisar sobre o autor e também ler algo dele (um livro, um conto, uma entrevista) poderá comparar a linguagem e elementos que, se não forem conclusivos, ao menos suscitarão dúvida suficiente para não correr o risco de divulgar informação errada.
Mas porque isso é importante? Porque é desrespeito com o autor e sua obra, em alguns casos até calunioso. Você pode achar bonito, uma mensagem boa, mas pode ser absurda para o autor. O exemplo clássico disso são frases citando deus e fé atribuídas a Charles Chaplin. O ator era ateu. Então não é desrespeitoso com sua memória, lhe atribuir uma frase de algo em que ele não acreditava? Pense na situação contrária. Você crê em deus e eu começo a postar por aí fotos suas com frases dizendo que essa crença é ridícula e deus não existe. Você não se sentiria ofendido?


Você crê em deus e vai pensar "mas no meu caso, estou divulgando uma coisa que é boa". Entretanto, Charles Chaplin não acreditava e nem saía por aí discursando coisas do tipo, então você está difamando o autor na medida em que transforma a sua imagem pública e a sua obra em algo que ele não foi. É o velho colocar palavras na boca de outro.
A coisa é muito simples: gostou da frase, pesquisou, ficou na dúvida - publique só a frase. Aposto que a pessoa sem noção que gastou tempo fazendo imagem com foto e autor fake para uma frase que ela criou, não vai se importar com direitos autorais.
E isso nos leva a pensar o porquê. Por que uma pessoa prefere colocar um nome de famoso, atribuir sua opinião a alguém de renome, ao invés de assumir o que pensa? Medo das consequências? Não confia no próprio taco? Acha sua opinião tão pequena que não será suficiente para ter valor? Prefere mentir e se passar por outro a ser transparente sobre quem é?
Nenhuma das hipóteses levantadas levam à boas conclusões e, realmente, alguém assim não merece crédito.
Por isso, se a frase te levou a refletir sobre sua vida e acha que mais gente pode se beneficiar com esta reflexão, escreva você sobre isso. Cria a sua frase, aproprie-se do conhecimento, exponha sua reflexão. Chega de gente covarde que não assume quem é o que pensa.