Sonha em ver o futuro. Não o amanhã ou o ano que vem. O futuro mais longe possível, aquele que ninguém imagina que verá.
Olha para os números e rabisca as datas
futuras - 21/03/2079, 14/12/2083... Será
que ainda se escreveriam deste jeito? Era possível que até lá acontecesse
alguma grande revolução que alterasse a forma como registramos o tempo? Os
judeus, os chineses e outros povos mais antigos, provavelmente nunca imaginaram
que um dia houvesse outro calendário além do deles.
Não a intrigam as grandes revoluções tecnológicas. Sabia que
seriam muitas, estava claro. O que despertava sua curiosidade era o cotidiano.
A empresa onde trabalha ainda existiria? Seria maior e mais poderosa? E a sua
função, ainda existiria dentro da empresa? Haveria em seu lugar um outra
telefonista que entre uma ligação e outra teria tempo para pensar nestas
coisas? Ela também ficaria rabiscando datas aleatórias enquanto a pessoa
esbraveja do outro lado da linha?
Imagina que é por isso que as pessoas acreditam em vida após
a morte, com ou sem reencarnação. No fundo ninguém quer morrer, todos querem
escrever mais uma data no papel, querem ver mais um dia e saber como é que o
mundo vai ser.
E tem que ser assim mesmo, porque quando não é as pessoas
desistem. Suicidam-se. Ela nunca pensaria em suicídio. Não porque tivesse a
melhor vida do mundo ou não soubesse o que é tristeza. Apenas porque queria
ver como ia estar o mundo amanhã, e depois de amanhã, e depois, e depois...
Mas ela não é delirante, acredita. Porque quando imagina os
anos futuros, não fica delirando com teletransporte ou sexo por capacete. Acha
mais interessante saber que música as pessoas vão ouvir do que através de qual
tecnologia o farão. Isso ela aprendeu desde criança, quando delirava com o fim
do mundo no ano 2000, ou com carros voadores e cachorros-robôs em 2013.
2013... Ainda usamos telefones e a internet continua uma
bosta. Não dá pra negar que as coisas vão mudar, mas de forma muito mais lenta
do que os nerds deliram. E o cliente na linha grita mais desesperadamente só pra fazê-la
acordar, atestando esse seu último pensamento.