Não há palavra que defina melhor Rita do que esta: fome. Rita tem fome de tudo. É uma devoradora. Foi assim desde criança. Agora, aos 70 anos, olha para trás e constata isso. Sentada próxima a janela, olhando a grama verde lá fora, pensa que não há graça nenhuma em ficar olhando aquilo. Grama foi feita para pisar e Rita queria era correr e descobrir o que vem depois. Tinha fome do que estaria ali guardado pra ela.
Primeiro relembrou os amores. Foram muitos. Rita se apaixonava e mantinha uma fome constante por aquele homem até que esgotava todas as gotas daquele amor. Então, surgia outro. Não era possível pensar em um único amor para sempre, com tantos homens interessantes a se conhecer pelo mundo. Ninguém vive só de comer pizza. Existem muitas opções para se sentir apenas um sabor a vida toda.
Alguns, a gente gosta mais e acaba querendo repetir quando dá. Foi assim com Antônio. Conheceu-o no Rio, em sua primeira viagem sozinha. Era o auge de Copacabana e Rita aceitou a sugestão de um estranho e foi experimentar o melhor filé do Rio de Janeiro. Durante o almoço, trocou olhares com o moço sentado do outro lado do salão e foi surpreendida por ele na calçada, se apresentando. Conversam andando na orla e ao fim da tarde já estavam apaixonados. Foram 10 dias no Rio vivendo este amor. Depois Rita voltou para sua vida, Antônio para a dele. Por muitos anos ainda se encontraram no Rio, passando ao menos um final de semana juntos. A fome por Antônio era constante.
Um leve sorriso foi visto neste momento no rosto da senhora que apenas olhava a grama. Um sorriso para Antônio.
Depois, relembrou os lugares. Rita morava em São Paulo e achava a cidade pequena. Viajou inúmeras vezes na fome de conhecer o mundo. Foi para todos os lugares comuns e para todos os inusitados que alguém indicava. De Paris a São Francisco, interior de São Paulo. Ia para todo lugar, se infiltrava, comia em todos os restaurantes, bebia em todos os bares, tirava todas as fotos e comprava todas as roupas. Até hoje tinha coisas trazidas dessas viagens entulhando a casa.
Dessa vez foi impossível não rir mais descaradamente, sem se preocupar se alguém a enxergaria ali, olhando a grama e rindo sozinha.
Começou a chover. Uma chuva leve, dessas que molham mais que temporais, mas não fazem barulho. E Rita, relembrando a vida e sentindo todas as fomes saciadas apenas suspirou. Lembrou de Coco Chanel dizendo "é assim que se morre" e sorriu novamente. Adeus Antônio, adeus Paris. Enfim, eu não quero mais comer.