Há mais de 20 anos, o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher (CNDM) sustenta a defesa dos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres, incluso o direito de decidir pela interrupção voluntária da gravidez, no Brasil.
Portanto, nesse momento em que a 2a. Vara do Tribunal do Júri do Mato Grosso do Sul coloca 9.922 mulheres no banco dos réus, acusadas de praticar abortos, vimos a público manifestar nosso repúdio ao que consideramos uma escalada inquisitória sem precedentes em nossa história contemporânea.
Os números falam por si. As 9.922 mulheres que estão ameaçadas de ir para a cadeia representam cerca de 40% da população feminina em cumprimento de pena, em todo o território nacional. Nessa escala, não se trata mais de uma simples persecução penal, infelizmente amparada pela legislação brasileira, mas de uma ação política. Nem são as 9.922 mato-grossenses o alvo dessa ação, mas o gênero. Ou acaso serão alvo de ações judiciais os milhares de homens co-responsáveis por esses supostos abortos? Nesse processo, quem estará no banco dos réus, será a mulher brasileira.
As práticas sociais legitimam o ordenamento jurídico de um país, não o contrário. Até dois anos atrás o adultério ainda era considerado crime pelo Código Penal brasileiro, de 1940. Diga-se, de passagem, que nunca se ouviu falar de um homem, condenado judicialmente por adultério, mas muitos assassinatos de mulheres ficaram impunes com base na "defesa da honra".
Várias décadas antes desse anacronismo ser retirado de nosso ordenamento jurídico, a mudança nos perfis das uniões conjugais era tal que os operadores do Direito deixaram de levar em conta a criminalização do adultério. A vida em sociedade retirou a vigência daquele estatuto, muitos anos antes de sua formalização institucional e legal.
Não é diferente o espantoso caso das 9.922 mulheres de Mato Grosso do Sul. Pesquisa entre magistrados brasileiros revela que metade dos entrevistados justificou a prática do aborto quando vivenciou uma gravidez indesejada. Outro estudo, entre obstetras e ginecologistas, demonstrou a mesma inclinação: quando a gravidez indesejada é vivenciada de perto, torna-se justificada.
Pesquisas de opinião aferem, com freqüência, que a maioria da população, em nosso país, é contrária à mudança da legislação referente ao aborto. Ressalvado o maniqueísmo da indagação - contra ou a favor - que induz os resultados, é preciso apontar para outra aferição, indispensável: a sociedade brasileira apóia a prisão de mulheres que, em contextos múltiplos, sócio-econômicos, psicológicos, afetivos, realizaram abortos?
Na vida social real não há brasileira ou brasileiro que não conheça, direta ou indiretamente, quem já tenha passado pelo drama de fazer um aborto. Certamente, não predomina no Brasil, a fúria fundamentalista protagonizada por algumas autoridades de Mato Grosso do Sul.
O Conselho Nacional dos Direitos da Mulher manifesta inteira solidariedade às 9.922 mulheres mato-grossenses e reivindica a realização de audiência pública no Congresso Nacional para debater providências que façam cessar a insanidade em curso naquela unidade da Federação.
CONSELHO NACIONAL DOS DIREITOS DA MULHER